sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Carlos Lyra


Carlos Lyra

Canção que Morre no Ar ( Carlos Lyra- Ronaldo Boscoli)

Brinca no ar
Um resto de canção
Um rosto tão sereno
Tão quieto de paixão
Morre no ar
O sempre mesmo adeus
Meus olhos são teus olhos
Para nós, vem
Um mundo sempre amor
O pranto que desliza
No seio de uma flor
Terra-luz, anjo só
Mil carícias, você traz
Beijo manso, luz e paz

Canção que Morre no ar é uma música de autoria de Carlos Lyra com seu parceiro Ronaldo Boscoli.
O compositor da bossa nova Carlos Lyra cujo nome completo é Carlos Eduardo Lyra Barbosa nasceu no Rio de Janeiro no dia 11 de maio de 1936.
Dizer que a música brasileira feita antes da bossa nova era medíocre e cometer uma injustiça. Toda uma geração de intérpretes e músicos que trabalhavam nas boates do Rio de Janeiro no anos 50 contribuíram para criar o fermento que iria desembocar na bossa nova. E tocando o grande repertório popular internacional contribuíram para que a bossa nova tivesse elementos da canção francesa, dos ritmos cubanos e do bolero.
Estes artistas eram os cantores Dick Farney, Lucio Alves, Tito Madi, Doris Monteiro, Dolores Duran, Sylvia Telles, Claudette Soares e conjuntos vocais como Os Cariocas e Quatro Ases e Um Coringa. Eram intérpretes como os violonistas Garoto, Luiz Bonfá, e Baden Powwel, pianistas como Johnny Alf, Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça, os saxofonistas Zé Bodega, Cipó k- Ximbinho, o acordeonista Joáo Donato.
O próprio Carlos Lyra era fã de Charles Trenet e Lucho Gatica.
Carlos Lyra antes de terminar o secundário já conhecera o privilégio de ter uma música chamada “ Menina” gravada em meados de 1956 pela também quase estreante Sylvia Telles.
Outro grande amigo foi Roberto Menescal que aluno do último ano do curso científico no colégio Melllo e Souza mudou-se pra o colégio Mallet Soares ao saber que Carlos Lyra estudava neste colégio. Os dois se entenderam bem, trocaram várias posições de violão que conheciam e Lyra estimulou Menescal a aprender a solar a desenvolver um estilo próprio. Em pouco tempo os dois resolveram abrir uma academia de violão para ganhar um pouco de dinheiro e se livrarem da pesada dependência que ainda tinham das famílias. A escola se instalou num apartamento vazio de um amigo de Carlos Lyra na rua Sá Ferreira atraiu grande quantidade ade alunos.
O mais importante no entanto estava acontecendo em outro ponto de Copacabana mais precisamente na Avenida Atlântica quase esquina da Constante Ramos. Foi no apartamento de uma amiga de Roberto Menescal a futura intérprete de bossa nova Nara Leão onde a anfitriã promovia reuniões diárias de violão com Menescal e outros rapazes um deles também colega do Mallet o garoto Luis Carlos Vinhas que estudava piano. Lyra juntou-se a turma em pouco tempo e graças a Menescal agregou-se ao grupo um jornalista bem mais velho do que eles que tinha vinte e sete anos chamado Ronaldo Boscoli.
Mais velho e muito mais experiente Boscoli era repórter da revista Manchete e nessa condição conhecia quase todo mundo da política do futebol e da música popular e era considerado o único adulto do grupo. Ele era cunhado do poeta e compositor Vinícius de Moraes e amigo de Tom Jobim que todos ali admiravam.
O grupos de jovens sonhadores e com a iniciativa de criar uma nova música popular começou a se expandir da casa de Nara. Apareceram o amigo Chico Feitosa que por sua vez levou o flautista Bebeto Castilho. Logo apareceram o violonista Normando Santos, os três irmãos Castro Neves todos tocando vários instrumentos e algumas moças sem grandes ambições artísticas mas muito interessadas no que os rapazes faziam. As noitadas começavam por volta da as nove e não tinham hora para acabar. Cantava-se e tocava-se violão pela noite afora- música dos outros ou as suas próprias que eles já estavam começando a fazer.
O estilo de vida que levavam e suas preferências musicais seriam decisivos para o tipo de música que eles queriam fazer. Todos ali eram bonitos, atléticos, bronzeados, moradores de Copacabana e Ipanema com muitas idas a praia e vendiam saúde. Pelo fato de serem jovens não se identificavam com a a melancolia das músicas românticas que então se faziam nas boates. Embora admirassem muito os compositores antigos não gostavam das letras que estes mestres faziam segundo eles tristes demais. A culpa de tudo diziam era do samba-canção. A música norte- americana que todos admiravam -Frank Sinatra era o ídolo deles- também podia ser romântica sem ser pessimista.

Posições Políticas
Havia uma bossa nova de esquerda representada pela ala politicamente engajada da bossa nova representada por Carlos Lyra. Nara Leão e Sérgio Ricardo além de letristas e dramaturgos como Ruy Guerra e Gianfrancesco Guarnieri.
Carlos Lyra ajudou a fundar o CPC ( Centro Popular de Cultura)e foi diretor musical da Rádio Nacional ( afastado pelo golpe de 64), escreveu música para teatro infantil, adulto e “participante” musicou filmes do Cinema Novo.

Calor Lyra casou-se com a norte americana Kate Lyra.

Parceria Com Vinícius de Moraes

A parceria com Vinícius de Moraes rendeu canções como “ Minha Namorada”

Minha Namorada ( Carlos Lyra- Vinícius de Moraes)

Se você quer ser a minha namorada
Ai que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente esta coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ter
Você tem que me fazer
Um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também não perder este jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada , mas amada para valer
Aquela amada de amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste para você
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que sera estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.

A parceria rendeu ainda “ Pode ir” , “Maria Moita”, “Você e Eu”,.” Coisa mais Linda”, “Mas Também quem Mandou”.

Carlos Lyra 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Marcos Valle


Marcos Vale

O compositor de bossa nova Marcos Valle cujo nome verdadeiro era Marcos Kosntenbader Valle nasceu no Rio de Janeiro em 14 de setembro de 1943. Marcos começou estudando música clássica mas acabou mudando completamente seu gosto musical acabando por aderir completamente a música popular. Quando se penetra nesse universo Marcos acabou se encantando com as harmonias das big bands americanas, das canções regionais de Dorival Caymmi e com cantores como Roy Hamilton, Nat King Cole, o paulista Almir Ribeiro, Maysa, Dolores Duran. Quando retornou ao piano já estava todo voltado para a música popular.
Marcos era amigo do futuro famoso compositor Edu Lobo e também de Dori Caymmi, filho de Dorival Caymmi. Como os três se interessavam bastante por música partiu a sugestão de os três se juntarem para fazer música. Marcos acatou a ideia e ele e os dois amigos passaram a se ver com frequência para tocar e compor. A bossa nova era a música dominante e com a qual eles se identificavam mas até para competir com os titulares- Tom Jobim, Carlos Lyra e Roberto Menescal- eles sentiam a necessidade de buscar um caminho próprio. A vida era mais simples naquele tempo e um ano depois, Marcos, Edu e Dori já se apresentavam em trio em programas de televisão como o de Sérgio Porto e do próprio Fernando Lobo pai de Edu.
Marcos tinha seu irmão chamado Paulo Sérgio Valle letrista com quem formaria uma dupla imbatível nos próximos anos. Foi seu irmão que encontrou as palavras certas para “ Samba de Verão” uma das músicas mais famosas de Marcos. O potencial instrumental de “ Samba de Verão” já se revelara pela suave gravação de Eumir Deodato com seu grupo Os Catedráticos a tal ponto que acharam que a música dispensava letra.
A letra é a seguinte :

Samba de Verão ( Marcos Valle/ Paulo Sérgio Valle)

Você viu
Só que amor
Nunca vi coisa assim
E passou, nem parou
Mas olhou só para mim
Se voltar, vou atrás
Vou pedir, vou falar
Vou contar que o amor
Foi feitinho pra dar
Olha, é como o verão
Quente o coração
Salta de repente
Só para ver a menina que vem
Ela vem, sempre tem
Esse mar no olhar
E vai ver, tem que ser
Nunca tem de amar
Hoje sim, diz que sim
Já cansei de esperar
Nem parei nem dormi
Só pensando em me dar
Peço, mas você não vem
Deixo então, falo só
Digo ao céu, mas você
Vem

Se foi notado alguma semelhança com outra garota de doce balanço caminho do mar sabe que não houve engano. Se tais imagens da letra da música soam familiares não é coincidência: a personagem de “ Samba de Verão” parecia uma irmã caçula da menina que vinha e passava cheia de graça em Garota de Ipanema, talvez um pouco menos indiferente aos olhares dos mortais, mas tão consciente de sua condição de deusa quanto a outra. Ninguém se importou. Samba de Verão só esperaria pelo verão carioca para se tornar o hino daquela geração de surfistas.
A geração da bossa nova tinha se dividido em dois grupos por causa da situação política no país na década de 60. A grande representante da ala politizada da bossa nova era a cantora Nara Leão, militante de causas políticas só a partir de 1963. Por causa dela os irmãos Valle fizeram a contundente “ A Resposta “ uma referência direta a Nara Leão.


A Resposta (Marcos Valle/ Paulo Sérgio Valle)

Se alguém disser
Que teu samba
Não tem mais valor
Porque ele é feito
Somente de paz e de amor
Não ligue não
Que essa gente
Não sabe o que diz
Não pode entender
Quando um samba é feliz
O samba pode
Ser feito de céu e de mar
O samba bom
È aquele que o povo cantar
De fome basta
A que o povo na vida já tem
Pra que lhe fazer ?
Cantar isso também
Mas é que tempo
De ser diferente
E essa gente
Não quer mais saber
De amor
Falar de terra
Na areia do Arpoador
Quem pelo pobre
Na vida não fez um favor
Falar de morro
Morando de frente por mar
Não vai fazer ninguém melhorar

Mas a mostrar que estas posições viviam mudando a própria Nara Leão manifestaria o desejo de gravar “ A Resposta “. E os irmãos Valle fariam “ Viola Enluarada “ com o seu quê de trilha sonora da guerrilha rural, a ser cantada ao pé do fogo entre dois combates embora o grito de Liberdade só pudesse ser dado em surdina para não atrair a repressão. Nos palcos de televisão ou dos teatros, no entanto, o efeito era arrebatador.
“Viola Enluarada era uma toada, derivada da admiração de Marcos pelo novato Milton Nascimento, recordista da produção delas. O próprio Milton foi chamado por Marcos a gravar com ele a música, para grande impulso de sua carreira. A música marcou também um divisor de águas no estilo de Marcos, porque , pouco depois de fornecer violas para a guerrilha, ele passaria a experimentar toda variedade de gêneros. Foi um dos primeiros a usar instrumentação eletrônica ( em Próton, Eletrón, Neutron), a fazer jingles sofisticados ( “ Mustang Cor de Sangue “ ) e a compor trilhas de programas da TV Globo como Vila Sésamo e de novelas ( Pigmalião 70, Selva de Pedra, O Cafona, Os Ossos do Barão, no tempo em que elas eram composições originais, encomendadas a um compositor sozinho ou em dupla e não se reduziam a a um parada de sucessos fabricados.

Viola Enluarada (Marcos Valle/ Paulo Sérgio Valle)

A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra
Mata o mundo, fere a terra
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino
Louva a morte
Viola em noite enluarada
No sertão é como espada
Esperança de vingança
O mesmo que pé que dança um samba
Se preciso, vai á luta
Capoeira
Que tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira
Para defendê-la se levanta
E grita: Eu vou !
Mão, violão canção e espada
E viola enluarada
Pelo campo e cidade
Porta bandeira, capoeira
Desfilando vão cantando
Liberdade !
Liberdade....
Liberdade, liberdade.
Liberdade..

Marcos Valle 

domingo, 24 de dezembro de 2017

Ismael Silva


Ismael Silva

Se Você Jurar ( Ismael Silva-Francisco Alves- Nilton Bastos)

Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é
Pra fingir, mulher
A orgia assim não vou deixar
Muito tenho sofrido
Por minha lealdade
Agora estou sabido
Não vou atrás de amizade
A minha vida é boa
Não tenho em quem pensar
Por uma coisa á toa
Não vou me regenerar
A mulher é um jogo
Difícil de acertar
E o homem como um bobo
Não se cansa de jogar
O que eu posso fazer
E se você jurar
Arriscar a perder
Ou desta vez então ganhar

Vida
O sambista Ismael da Silva nasceu em Niterói a 35 km do bairro do Estácio, local onde ele e outros sambistas revolucionaram o samba no dia 14 de setembro de 1905. Era o quinto filho do cozinheiro Benjamim da Silva e Emília Correia Chaves. A família vivia em Jurujuba, um povoado de Niterói, na região metropolitana do Rio, constituído em torno de uma praia. Os pescadores eram maioria na pequena população, mas ainda havia funcionários de um cemitério e como no caso de Benjamim, do hospital Paula Cândido, que pertencia a Marinha.
A morte do chefe de família,e m 1908, significou miséria imediata. Em Jurujuba, Emília não podia ficar, pois não eram permitidas mulheres empregadas no hospital, em função de ele ser exclusivo para pacientes masculinos e também não havia como trabalhar no cemitério ou na colônia de pescadores.
Parentes do casal residentes do Rio ajudaram a pagar o enterro e disseram a Emília que para conseguir serviço, ele precisaria mudar de cidade. Diante da dificuldade de sustentar cinco filhos ficou decidido que os quatro mais velhos morariam com familiares e apenas Ismael de três anos, ficaria com a mãe. Ela e o caçula se mudaram para o Estácio e os outros foram viver em bairros próximos.
Lavando roupa para fora, Emília sustentou a infância de Ismael, pobre mas sem privações. O que a mãe não considerava prioridade era estudar coisa, segundo ela, só para privilegiados.
Mas mesmo assim o menino Ismael manifestou desejo de estudar e um dia foi a uma escola pedir isso. De tanto insistir, acabou conseguindo. Sempre de acordo com o compositor, Ismael assombrou a todos com sua capacidade de aprender, tendo se alfabetizado rápido e até ajudado colegas com maior dificuldade. Dizia que ao voltar para casa, não queria saber de brincar, só de estudar. E costumava ser o primeiro aluno em todas as matérias.
Fato é que estudou até os 18 anos, concluindo o então curso ginasial. Não chegou a tentar vira doutor, pois além das dificuldades financeiras e até raciais da época já estava muito envolvido com samba, querendo se tornar compositor. E á sua maneira, malandro.

Antonico

O compositor passou por uma fase muito difícil em sua vida. Tamanha miséria e privação moral e financeira foi refletida na música “Antonico”. Ismael passou a vida inteira negando que a música fosse autobiográfica mas é impossível não relacionar a situação do compositor na época com o período em que a música foi composta.

A letra é a seguinte:

Antonico ( Ismael Silva)

Ô Antonico vou lhe pedir um favor
Que só depende da sua boa vontade
È necessário uma viração pro Nestor
Que está vivendo em grande dificuldade
Ele está mesmo dançando na corda bamba
Ele é aquele que na escola de samba
Toca cuíca, toca surdo e tamborim
Faça por ele como se fosse por mim
Até muamba já fizeram para o rapaz
Porque no samba ninguém faz o que ele faz
Mas ei de vê-lo bem feliz se Deus quiser
E agradeço pelo que você, fizer, meu senhor.

Um fotógrafo, grande amigo do compositor o viu em shows batendo no peito quando a plateia gritava Nestor em referência a ele. No livro Pixinguinha- Filho de Ogum Bexiguento ( 1979) Marília T. Barboza da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho revelaram uma carta de 10 de maio de 1939 assinada por Pixinguinha- mas talvez escrita por Ismael em que se pedia ao musicólogo Mozart de Araújo um emprego para o compositor do Estácio. “ Espero que o que puder fazer pelo Ismael seja como se fosse por mim” é a última frase da carta quase copiada em Antonico.
O declínio e sofrimento foi além. Ismael resolveu tirar satisfação com Edu Motorneiro, valentão que fizera um gracejo grosseiro para sua irmã Orestina. Consciente da disparidade de forças, levou um revólver. Acertou dois tiros nas nádegas de Edu e foi detido. Seu admirador Prudente de Morais Neto advogado e jornalista, o defendeu e conseguiu pena mínima, de cinco anos. Após cumprir a metade, Ismael foi solto por bom comportamento.
No presídio Frei Caneca, no centro do Rio, chegou a dar entrevistas queixando-se do esquecimento e falando dos artistas preferidos. Entre eles estava Francisco Alves. Ismael nunca explicou minuciosamente mágoa que passou a sentir. Não ter sido procurado pelo cantor nesse momento difícil pode ter sido um dos motivos. Ele e o cantor foram parceiros em músicas e Chico Alves extremamente esperto aproveitou-se da músicas e da situação do parceiro. Veio daí a percepção do compositor que ele perdia dinheiro com a parceria. Nos relatos futuros atribuiu para si um papel de herói da resistência de quem rompeu com uma situação de exploração financeira e de humilhação. E ele, um tanto por necessidade e outro tanto por deslumbre foi uma espécie de secretário de Chico durante os sete anos em que o acordo ignorou. Andava com “ O Rei da Voz” para todos os lados de alguma forma servia-o, gostava de usar joias vistosas e houve quem, como o cantor Cyro Monteiro, afirmasse que ficou esnobe. Vaidoso desde sempre, Ismael se atrapalhou no relacionamento com Chico, que era extremamente esperto. Mas construiu com a ajuda dele, uma grande obra até 1935.
No mesmo ano,o compositor teve um romance com a passista Diva Lopes Nascimento, do qual nasceu sua única filha Marlene, que ele nunca registrou e com quem pouco conviveu. Ela lhe daria quatro netos. Como de hábito não falava da história com clareza. Dizia que o relacionamento durara só um mês e que acabara porque Diva o traía. Como se tornou uma pessoa reclusa após a prisão, acostumou-se a receber de jornalistas perguntas sobre sua vida amorosa, como se ainda pretendia casar. A resposta era afirmativa.
A reclusão e a consequente perda de traquejo social podem ter contribuído para que sua fala ficasse mais empolada como o tempo. Tinha uma forma muito peculiar de se expressar e pronunciava as palavras com vagueza para administrar a gagueira.
Foi com muita dificuldade que ele tentou se sustentar ao sair da prisão. Já tivera emprego regular como auxiliar do escritório de advocacia e segurança da Central do Brasil. Tentou sem êxito junto a conhecido importantes ser meirinho no Tribunal de Justiça. A condição de ex- presidiário não ajudava. Na música conseguiu se gravado por Aurora Miranda, Cyro Monteiro, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves e não mutos outros, mas sem voltar a se fazer notar.
Os últimos anos de Ismael foram vividos entre o reconhecimento de sua importância por colegas de profissão, as dificuldades financeiras e a piora da saúde. Em 1966 Sérgio Cabral liderou uma campanha vitoriosa para transformá-lo em Cidadão Samba, título então importante. Em 1963 e 1964 foi reverenciado no Zicartola, o restaurante/ casa criado por Cartola e sua mulher Zica no centro do Rio. Cantou várias vezes no local e se empolgava com a admiração dos jovens, chegando a superar seu jeito antissocial e ir a a apartamentos participar de rodas musicais, nas quais, vaidoso, preferia ser o último a cantar.
O reconhecimento tardio da obra de Ismael por outros artistas da música popular brasileira comovia Ismael, mas não eram suficientes para lhe dar condições de sair da casa de cômodos em que vivia na Lapa, centro do Rio. Tinha vergonha do lugar- do qual ainda sofria ameaças de despejo por atraso no pagamento- e preferia receber amigos e jornalistas num bar próximo. Gostava mesmo de ir á Igreja Messiânica do Grajáu ( zona norte) que frequentava assiduamente desde 1969.
Em 19 de dezembro de 1977, Ismael foi para o Hospital da Lagoa, na zona sul do Rio, para tentar se livrar de um mal que o incomodava havia 15 anos: uma úlcera varicosa nas pernas. A cirurgia foi bem sucedida mas a recuperação foi lenta e outros procedimentos eram previstos como a retirada da próstata. Às vésperas do Carnaval teve um infarto.
Ismael Silva faleceu no dia 14 de março de 1978. Foi enterrado no cemitério do Catumbi, perto do bairro que ajudou a pôr na história da música.

Ismael Silva 

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Jackson do Pandeiro


Jackson do Pandeiro

Vida

O compositor paraibano Jackson do Pandeiro cujo nome verdadeiro era José Gomes Filho nasceu no Engenho Tanques, município de Alagoa Grande no dia 31 de agosto de 1919. Era filho do oleiro José Gomes com a cantora de cocos ( um ritmo nordestino) Flora Mourão.
Alagoa Grande conhecida como Rainha do Brejo ganhava ares de metrópole pelos benefícios gerados pela economia e e pela estrada de ferro que além de transportar os produtos para o comércio cada vez mais variado e rico trazia informação e trabalhadores para a a agroindústria. Com eles, andarilhos em busca de oportunidades e cantadores, boêmios, repentistas, violeiros e emboladores de coco.
Dona Flora, apoiada pelo marido ajudava a pagar as contas cantando em casamentos, batizados e festas de todos os tipos acompanhada por um músico chamado João Feitosa. Longe de pensar em carreira artística, o menino preferia ficar com a criançada na Lagoa do Paó ouvindo o coaxar dos sapos que um dia serviria de inspiração para um de seus maiores sucessos “Cantiga do Sapo”.
O menino não perdia as rodas de coco que a mãe fazia em casa para aperfeiçoar o repertório. E aos poucos ia aprendendo as letras,os ritmos e as batidas.
Aos sete anos, o menino tomou coragem e durante uma tarde de ausência de Feitosa assumiu o bumbo, assumindo o instrumento com competência. Três anos depois já era o acompanhante oficial da mãe. Apesar do longo caminho até o local das festas exercia a função como uma das brincadeiras com os amigos. Entre elas a preferida era imitar os heróis e bandidos do cinema mudo, principalmente os de faroeste em especial um ator norte- americano de filme de faroeste chamado Jack Perrin um sujeito magro e canastrão que o menino imitava com a perfeição possível da idade.

Mudança

O patriarca da família de Jackson acabou mudando para Campina Grande, deixando o engenho e se estabelecendo na periferia desta cidade. A mãe que até então contava com os filhos Zé e Severina ficou grávida pela terceira vez. Abandonou o coco para gerar e cuidar do filho João ( Tinda) e Zé Jack começava a trabalhar com o pai na olaria. Mas durou pouco o trabalho com o pai. Em alguns meses o patriarca morria de causas não reveladas e a família se decide mudar para Campina Grande para morar com os filhos da irmã , Maria Jacinta, já falecida e o cunhado Manuel Galdino.
Acabrunhada com a morte do marido, Dona Flora parou de sustentar a a família com seu canto, deixando para o filho mais velho a responsabilidade de de levar os dinheiros das despesas para a casa. Zé Jack passou a trabalhar como ajudante de padeiro , junto com os primos.
Passaram a morar numa região conhecida como Açude Velho.
Início da vida Profissional

Jackson no início de sua vida só pensava em trabalhar, e evitar confusão. Começou a frequentar os redutos boêmios levado principalmente pela música. Aprendia música nas feiras. Tocava todo tipo de instrumento de percussão , mas só assumiu o pandeiro depois que seu estilo chamou a atenção do cego cantador Chico Bernardo que vendia cordéis na Feira Grande e ficou impressionado pelo talento precoce do quase garoto.
Jackson começava a ser conhecido como músico. Apesar de atuar só em saraus, serestas e mesas de bar chamava a atenção dos mais experientes. Além da percussão, tocava os rudimentos da sanfona e do piano enquanto exercia direito de tocar com profissionais nos bares.
Precursores das rádios comunitárias que por lei só podem atingir uma pequena área de atuação, os serviços de alto- falante são ainda hoje canais eficientes de comunicação em várias regiões do Nordeste. Chamados de difusoras elas eram comuns em meados dos anos 30. Em Campina Grande José Gomes Filho que já adotara do apelido artístico de Jack do Pandeiro tocava em alguma destas difusoras. Em uma delas, no bairro em que morava, Zé Pinheiro, ganhou uma oportunidade que esperava havia um bom tempo sendo convidado para assumir o posto de condutor de um pastoril ( festas misto de religiosas e profanas muito comuns no Nordeste) no lugar do velho Caiçara que queria se aposentar. E Zé Jack acabou entrando na nova profissão como o palhaço Parafuso.
A difusora A Voz de Campina Grande fazia um show de calouros no domingo á noite. Foi ali que ele formou com o amigo Zé Lacerda a primeira dupla Café com Leite para cantar sambas e marchas de Carnaval e tocar pandeiro.
Depois de abrir mão do ofício de padeiro, seu primeiro emprego oficial veio no recém- inaugurado Cabaré Eldorado, a casa mais luxuosa de Campina Grande no final dos anos 30. Ali ele aprendeu tocando em uma orquestra de músicos muito experientes a tocar de tudo do choro ao jazz, do maxixe a rumba, do tango ao blues. Completou a nova fase de formação com o cinema falado. E cantado. Foi nas telas que viu o chapéu do cantor e compositor Manezinho Araujo, que passou a adotar como uma de suas marcas. E o samba cheio de breques e humor de Jorge Veiga que abriu possibilidades para seu futuro como cantor. Chegou a incluir músicas do repertório destes dois artistas em suas apresentações enquanto construía repertório próprio.

Almira Castilho

Cada vez mais popular, Jackson sentia falta de cantar, no rádio, seus cocos, rojões e batuques, mas guardava para o futuro que estava próximo. Mais exatamente no final de janeiro de 1953 a um mês do carnaval. A Rádio preparava a revista “ A Pisada é Essa” como última grande atração antes do Carnaval e Jackson havia preparado uma marcha para a a ocasião quando na última hora a emissora muda de ideia e ordena-lhe que toque um ritmo nordestino. Jakson lança mão do coco “ Sebastiana “ do amigo Rosil Cavalcante que começa a ensaiar para depois do carnaval. Ele convida a vocalista Luiza de Oliveira para acompanhante e se transforma na sensação da revista. Para ilustrar a história da comadre que dança feito uma guariba Luiza improvisa uma umbigada que após deixar Jackson momentaneamente surpreso, provoca uma resposta que deixa a plateia feliz e eufórica.
A dança diferente vira sucesso. Tanto que a rádio muda o nome da revista para A , E , I, O , U, Ypsilone e Jackson vira a atração principal da emissora.

A Letra desta música festiva e deliciosa é a seguinte :

Sebastiana ( Rosil Cavalcante)

Convidei a comadre Sebastiana
Para cantar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: a e i o u ypislone ( bis)
Já cansada no meio da brincadeira
E dançando fora do compasso
Segurei Sebastiana pelo braço
E gritei, não faça sujeira
O xaxado esquentou na gafieira
E Sebastiana não deu mais fracasso
Mas gritava: a e i o u ypsilone

Com férias marcadas e exausta Luiza abandona suas atividades com Jackson dando lugar a Almira Castilho que se tornaria a grande parceira de Jackson na música e na vida.
A dupla vira uma das atrações principais da rádio e Jakson sai da orquestra Jazz Paraguary., posto inicial de contrato para assumir a função da cantor assim como a de comediante. Era um recomeço na carreira.
A relação entre Almira e Jakson evolui para uma relação sentimental e os dois acabam por se casar em outubro de 1964. Mas a relação se deteriora e o desquite começa a virar fato jurídico em 1967.
O último show aconteceu em Belo Horizonte. E o disco de encerramento da dupla foi “ Braza do Norte” de 1967. A separação conjugal já era fato, mas a profissional ainda não quando ele conhece, após uma participação no show de Ary Lobo, em São Paulo a próxima e derradeira mulher chamada Neuza Flores dos Anjos que era um fã do artista e foi conhecer o ídolo num restaurante de hotel e terminou apresentando Jackson ao pais e sendo imediatamente pedida em casamento.
Viveram felizes como um casa de cinema até janeiro de 1968 quando um acidente de carro deixou o artista sem mover os braços por mais de um ano. Neuza cuidou do marido até sua recuperação total. E acabou entrando para a música, por insistência do marido, que lhe ensinou a tocar agogô e e passou a formar com ela uma nova dupla.

O Canto da Ema

No final da década de 60, Jackson passa por novo renascimento artístico graças ao movimento da Tropicália movimento cultural dos anos 60 encabeçado por Gilberto Gil e Caetano Veloso que passam a considerar Jackson ídolo e ícone. Num lance de esperteza, simbolizando outra volta por cima lança o disco “ Aqui eu tô” cuja foto de capa faz menção aos Beatles do disco “ Abbey Road”.
E quando em outro álbum lança “ O Canto da Ema” para o público mais jovem.

O Canto da Ema ( Alventino-Aires Viana- João do Vale)

A ema gemeu
No tronco do juremá (2X)
Foi um sinal bem triste, morena
Fiquei a imaginar
Será que o nosso amor, morena
Que vai se acabar ?
Você bem sabe
Que a ema quando canta
Vem trazendo no seu canto
Um bocado de azar
Eu tenho medo
Pois acho que é muito cedo
Muito cedo , meu benzinho
Para esse amor se acabar
Vem morena ( vem, vem, vem )
Me beijar ( me beijar)
Dá-me um beijo (dá um beijo)
Pra esse medo se acabar

Outras Música de Jackson do Pandeiro( ou interpretadas por ele)

Forró em Caruaru ( Zé Dantas)
Chiclete Com Banana ( Gordurinha- Almira Castilho)
Um a Um ( Edgar Ferreira)
Xote de Copacabana ( José Gomes)
A Mulher do Aníbal ( Genival Macedo- Nestor de Paula)
Cantiga do Sapo ( Jackson do Pandeiro- Buco do Pandeiro)
Forró em Limoeiro ( Edgar Ferreira)
Casaca de Couro ( Rui Moraes e Silva)
Falso Toureiro ( José Gomes- Heleno Clemente)


Morte

Com prestígio em alta, Jackson e sua banda embarcam para um excursão pelo Nordeste que terminaria em Brasília. Em uma apresentação em Santa Cruz do Capibaribe, perto de Recife no dia 23 de junho de 1982 passa mal durante o show mas retoma o microfone e tudo termina bem. No dia seguinte faz um show normal em Caruaru mas volta a ter tonturas. O diagnóstico é enfarte. E leva o conselho de interromper a temporada para ir descansar.
Teimoso, o artista insiste em continuar a temporada e no dia 3 de julho faz um show entusiasmado numa associação de funcionários do Ministério da Educação, De manhã, no aeroporto dormiu seu cochilo habitual nessas ocasiões, enquanto esperava o vôo para o Rio, mas não acordou normalmente. Foi acudido por um médico que revelou uma queda na glicose que evoluiu para um coma. Foi internado, esteve em dois hospitais e no dia 10 de julho de 1982. á a tarde, depois de passar momentos acordados e falar com a mulher, Neuza, não resiste e morre.
No resgate de sua memória um prova do descuido de um pais que não valoriza a grandeza de seus artistas populares. Dos cento e cinquenta pandeiros que ele tinha em seu acervo pessoal restou apenas um para lembrar sua memória.

Jackson do Pandeiro 



Dorival Caymmi


Dorival Caymmi

Você já foi a Bahia ? ( Dorival Caymmi)

Você já foi a Bahia, nega ?
Não ?
Então vá
Quem vai o Bonfim minha nega
Nunca mais quer voltar
Muita sorte teve
Muita sorte tem
Muita sorte terá
Você já foi a Bahia, nega ?
Não ?
Então vá !
Lá tem vatapá !
Então vá !
Lá tem caruru
Então vá !
Lá tem mungunzá
Então vá !
Se quiser sambar
Então vá !
Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito
Que nenhuma terra tem

Vida

O compositor Dorival Caymmi nasceu em Salvador ,capital da Bahia no dia 30 de abril de 1914. Era filho de Aurelina Cãndida Soares e do funcionário público Durval Henrique Caymmi.
Ele nasceu na Rua da Bangalã, hoje Luiz Gama, em São Salvador, Bahia de Todos os Santos. Bangalã nome de um grupo etnolinguístico de Angola era como se chamavam os negros trabalhadores nas obras das encostas da cidade alta, nos tempos coloniais.
A história da família deriva do bisavô italiano Enrico Balbino Caymmi que chegou á Bahia na segunda metade do século XIX para trabalhar na construção do Elevador Lacerda. Enrico casou-se com a portuguesa Maria da Glória que viera no mesmo navio que o trouxera da Europa.
Dorival viveu os primeiros momentos de sua infância no Campo da Pólvora, hoje Praça Rui Barbosa, depois mudou-se para a Rua Direita da Saúde, 29, onde guarda as primeiras lembranças, como a do pátio acimentado com um banco arredondado de plantas onde ouviu pela primeira vez a comovente Elegie de Jules Massenet muito tocado nos pianos e gramofones da época. A canção exerceu no menino um impacto, despertando sua vocação para a música.
Sua mãe gostava de cantar. O pai também. Canções a que os habitantes da região estavam acostumados a cantar. Eram cançonetas que vinham do teatro com uma influência europeia da passagem dos anos 1910 para os anos 1920. O pai Durval tinha três violões um deles de 18 mil réis comprado da Guitarra de Prata, no Rio de Janeiro e um bandolim napolitano, presente de um amigo. Foi ele que ensinou a Dorival as posições básicas de tons maiores ao violão.
Dorival cresceu em um ambiente musical e caseiro, ouvindo o som do piano da tia, do piano do seu Brim da família defronte, as polcas das festinhas na vizinhança, assim como frequentando as tardes domingueiras em que mulheres com robes caseiros e homens de pijamas de alamares brancos reuniam-se para cantar modinhas., em que cantores bons de peito e português apareciam para declamar Guerra Junqueiro ou Castro Alves sempre acompanhados de uma peça musical obrigatória, solicitada ao pianista antes da récita.
Contudo além das aulas de canto com a professora Amanda e a participação no coro em novenas e missas, crescia no menino Dorival o fascínio pelas ruas e e seus sons. Pelas ladeiras com vista do alto por torres de igrejas e conventos, ouvia cantigas e pregões das negras vendedoras noturnas, alguns em nagô e português.
Misturados ao ruído das carroças em ruas sem automóveis, ouvia sons dos afoxés com seus atabaques, chocalhos, cabaças e agogôs , mesmo instrumental dos candomblés.
Em 1930, Dorival com dezesseis anos, começa a compor paródias e versões para emboladas e sambas gravados por Almirante e os Turunas da Mauricéia. È dessa época também sua primeira composição nunca gravada “ No Sertão” canção cheia de lugares comuns: a roda da fogueira, o rancho fundo...
Uma profunda e radical mudança iria acontecer na personalidade e na música do jovem Dorival quando com dezessete para dezoito anos conheceu Itapoã apresentada pelo pai onde se chegava a pé, depois de saltar no ponto final do ônibus em Amaralina. As outras opções eram no caminhão do Seu Lisboa ou no ônibus de Seu Chico Mãozinha, português. Lá conhece pessoas simples e humildes chapéus de palha, tudo feito artesanalmente em agulhas de tecer rede.
Dorival passou a frequentar Itapoã, onde com amigos tocava violão, cantava, namorava. O Dorival rapazinho gostava de ouvir composições de Ary Barroso, de Joubert de Carvalho e vozes como as de Vicente Celestino ou Gastão Formenti, evocando o ambiente dos grotões, da saudade da cabocla ou de lendas folclóricas. Já com a vocação musical se confirmando ali por 1934 não podia deixar de ser atraído pelo ambiente de rádio. Ele e o melhor amigo Zezinho arriscaram uma visita á Rádio Clube, na Avenida Sete, onde foram recebidos por um cavalheiro que os convidou para um experiência no estúdio. Ambos cantavam parecido com Francisco Alves, o que agradou. Com mais dois amigos, formaram o grupo Três e Meio, nome sugerido pelo locutor Luis Paraguaçu, da Rádio, devido á estatura de um dos quatro integrantes. O conjunto amador, tinha como referência o Bando da Lua e se apresentava aos domingos.

Conselho Familiar

Dorival decidiu tentar o mundo, e foi para o Rio de Janeiro chegando nesta cidade do dia 4 de abril de 1938. Chegou ao Rio sozinho e sem dinheiro. Mas lembrava-se de um conselho familiar dado pelo pai de seu bisavô que quando o filho foi embarcar para o Brasil ganhou do pai um par de botinas e o conselho para sozinho enfrentar a vida : “ Faça-se homem.”

Esposa

Dorival Caymmi conheceu sua futura esposa que se chamava Stela Tostes na casa do famoso escritor Jorge Amado que ofereceu um banquete para os amigos. Stela era cantora principiante , tendo como profissão cantora de rádio.
O casal teve três filhos. Danilo, Nana ( que também seguiu a carreira de cantora) e Dori dignos guardiões e herdeiros da heranças musical dos pais.

João Valentão

Esta música de Dorival Caymmi fala e resume muito da personalidade do artista. Um homem calmo,, tranquilo, pacífico e equilibrado leitor de Voltaire. A sátira “ Cândido” deste filósofo e escritor francês sátira feroz ao “ melhor do mundos possíveis” do cientista alemão Leibnitz era uma de suas grandes paixões.
João Valentão é baseado na vida de Carapeba um pescador valente, contador de histórias durão e sonhador que serviu de base para esta famosa canção formando um tipo humano indescritível . João é bom de briga, provocador, mas para tudo quando vê um pôr-do-sol. Ele faz coisas que até Deus duvida mas se transforma em um preguiçoso sedutor( preguiça que é virtude não a do pecado capital) em que até a vontade de contar mentira é uma virtude. Apreciando a natureza ele muda de atitude tornando-se um homem contemplador e sereno.
A letra de refinado lirismo é a seguinte:

João Valentão ( Dorival Caymmi)

João valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção e nem pensa na vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seu momento na vida
É quando o sol vai quebrando
Lá pro fim do mundo pra noite chegar
È quando se ouve mais forte
O ronco das ondas na beira do mar
É quando o cansaço da lida
Obriga João a sentar
E quando a morena se encolhe
Se chega pro lado querendo agradar
Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir para sonhar
Porque não há sonho mais lindo do que sua terra
Não há.

Dora

Dora ( Dorival caymmi)

Dora, rainha do frevo e do maracatu
Dora, rainha cafusa de um maracatu
Te conheci no Recife
Dos rios cortados de pontes
Dos bairros, das fontes, coloniais
Dora, chamei
Ô Dora !.... Ô Dora !
Eu vim á cidade
Pra ver você passar
Ô Dora...
Agora no meu pensamento eu te vejo requebrando
Pra cá, ora para lá !
Meu bem !....
Os clarins da banda militar
Tocam para anunciar
Sua Dora agora vai passar
Venham ver o que é bom
ô Dora rainha do frevo e do maracatu
Ninguém requebra nem dança
Melhor que tu.

Morte

Dorival Caymmi morreu no dia 16 de agosto de 2008.
Saudades da Bahia ( Dorival Caymmi)

Ai, ai que saudades eu tenho da bahia
Ai, seu eu escutasse o que mamãe dizia
“ Bem não vai deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão
Ai, se eu escutasse hoje não sofria
Ai, esta saudade dentro do meu peito
Ai. se ter saudade é ter algum defeito
Eu, pelo menos, mereço o direito
De ter alguém com quem eu possa me confessar
Ponha-se no meu lugar
E veja como sofre um pobre infeliz
Que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Vejam que situação
E vejam como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz

Dorival Caymmi 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Lupicínio Rodrigues


Lupicínio Rodrigues

Cadeira Vazia (Lupicínio Rodrigues- Alcides Gonçalves)

Entra meu amor, fique á vontade
E diz com sinceridade o que desejas de mim
Entra, podes entrar, a casa é tua
Já que cansaste de viver na rua
E teus sonhos chegaram ao fim
Eu sofri demais quando partiste
Passei tantas horas tristes
Que não gosto de lembrar esse dia
Mas de uma coisa podes ter certeza
Teu lugar aqui na minha mesa
Tua cadeira ainda está vazia
Tu és a filha pródiga que volta
Procurando em minha porta
O que o mundo não te deu
E faz de conta que sou teu paizinho
Que há tanto tempo aqui ficou sozinho
A esperar por um carinho teu
Voltaste, estás bem, estou contente
Só me encontraste um pouco diferente
Vou te falar de todo o coração
Não te darei carinho nem afeto
Mas para te abrigar podes ocupar meu teto
Pra te alimentar podes comer meu pão

Vida

Lupicínio Rodrigues nasceu no bairro de de Ilhota em Porto Alegre no dia 16 de setembro de 1914. Era filho de Francisco Rodrigues que trabalhava como agregado do desembargador André da Rocha na portaria da Escola de Comércio. A mãe, Dona Bega, era lavadeira.
Lupicínio era de uma família de vinte e um irmãos. O pai lhe deu este nome em homenagem a um dos heróis da Primeira Guerra Mundial iniciada no ano em que Lupicínio nasceu.
André da Rocha pagou os estudos de Lupicínio que estudou em bons colégios. Morava numa casa simples mas que dava conforto a imensa prole com direito a ter um pátio com galpão e parreira.
Aos 12 anos completou primário, já fazendo música e jogando bola. Preocupado o pai o matricula num curso profissionalizante de mecânico onde ele sai aprendiz em uma oficina de bondes. Também ajudava no orçamento de casa trabalhando como vendedor ambulante, mandalete ( o boy da época) e operário.
Fazia parte da Bandinha Furiosa formada por músicos que tinham todos pelos menos 20 anos a mais do que ele. No carnaval a a bandinha mudava o nome para Bloco do Moleza e é onde vai estrear ao 13 anos de idade, o compositor Lupicínio Rodrigues com a marchinha “ Carnaval” em 1927.
Tinha um desempenho vocal tão bom que foi contratado pelo já profissional Conjunto Catão. O pai sente que a vocação artísticas do filho é séria e tenta tirá-lo desta vida antes que seja tarde; altera a data de nascimento do filho de 15 para 18 anos e o põe no serviço militar a fim de que se tornasse militar. Mas não adiantou nada.

Fatos marcantes

A primeira musa das muitas mulheres que o compositor teve foi Inah habitante da bucólica Santa Maria cidade a trezentos quilômetros de Porto Alegre no Rio Grande do Sul.
Lupicínio foi enviado para esta cidade do Rio Grande do Sul por causa de indisciplina. Passou bêbado e fantasiado ( estava de serviço) em frente ao quartel em pleno Carnaval.
A família de Inah começou a se desesperar com a incorrigível boêmia do pretendente. Inah intima Lupicínio a casar-se com ela. Lupicínio diz não. Muito ofendida Inah casa-se com outro.
E ainda houve o casamento meteórico de viúvo pois Lupicínio teve um casamento com Juraci que estava no leito de morte quando pediu a ele que legalizasse a situação com ela para legalizar a situação da filha que tivera com o compositor.
Mais tarde o compositor casou-se com Cerenita moça que conheceu em Santa Maria quando ela era muito jovem que lhe deu o primeiro filho homem: Lupicínio Rodrigues Filho.
O compositor foi convidado a compor o hino do Grêmio Football Porto Alegrense time do coração. Inspirou-se em uma greve de operários com o mote “ Até a pé nós iremos para o que der e vier” e o que era tema de momento acabou virando o hino oficial do clube.
O compositor também foi dono de restaurantes e churrascarias Em tempos de mudar de vida ele abre a primeira das tantas casas noturnas que teria a churrascaria Jardim da Saudade. Além disso muito interessado no tema dos direitos autorais torna-se representante regional da SBACEM ( Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música), função que exercerá pelos vinte e oito anos seguintes.
Os parceiros do compositor foram Alcides Gonçalves com quem compôs “ Cadeira Vazia”, “ Castigo “ “ Maria Rosa “ e Felisberto Martins. Com esse deu-se um fato curioso; além de parceiro Felisberto era o diretor artístico da maior rival da Victor a Odeon, E um grande “comprositor”. Tornou-se com a compra de parcerias coautor de dezenas de canções sem jamais ter escrito uma linha ou uma nota delas. Só com Lupicínio são pelo menos vinte canções. Era um acerto tão objetivo de troca de favores que só depois de dois anos a os dois parceiros tiveram o primeiro encontro.

Esses Moços

Lupicínio compôs 'Esses Moços” para convencer o amigo Hamilton Chaves a não casar. O que lhe valeu a eterna antipatia da futura esposa do parceiro.
A letra é a seguinte :

Esses Moços ( Lupicínio Rodrigues)

Esses moços, pobre moços
Ah se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que eu já passei
Por meus olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que eu peço a esse moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam
Que ha um lindo futuro
Só o amor
Nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu
Por ser escuro
E vão ao inferno
Á procura de luz
Eu também tive
Nos meus belos dias
Esta mania que muito me custou
Pois só as mágoas que eu trago hoje em dia
E estas rugas
Que o amor me deixou
Esse moços, pobres moços
Ah, se soubessem o que eu sei.

Vingança

A famosíssima Vingança foi composta em 1951. Ganhou fama internacional graças á versão em espanhol, gravada em ritmo de tango por vários artistas argentinos.
A letra é forte e muito humana provocando profunda comoção em que a ouvia. Também seu teor parece com os das pragas bíblicas ainda que se tenha que ressaltar a coloquialidade do texto. Quase uma carta.
A canção ficou muito famosa na voz da cantora Linda Batista.

Vingança (Lupicínio Rodrigues)

Eu gostei tanto
Tanto, quando me contaram
Que lhe encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar
E que quando os amigos
Por mim perguntaram
Um soluço cortou sua voz
Não lhe deixou falar
Mas eu gostei tanto
Tanto, quando me contaram
Que tive mesmo que fazer esforço
Para ninguém notar
O remorso talvez seja a causa
Do seu desespero
Você deve estar consciente do que praticou
Me fazer passar esta vergonha
Com um companheiro
E a vergonha
É a herança maior que meu pai me deixou
mas enquanto houver força em meu peito
Eu não quero mais nada
Só vingança, vingança, vingança.
Aos santos clamar
Você há de rolar entre as pedras que rolam na estrada
Sem te nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.

A partir daí, pelos dez anos seguintes Lupicínio será um dos compositores de maior sucesso e prestígio em todo o pais desmentindo o fato de que para ser famoso e conhecido o compositor tinha que ser carioca ou paulista.
Mas aí veio anos 60 e o compositor caiu no ostracismo. Até o próprio filho não acreditava que o pai tinha sido um artista.
A música de Lupicínio resumia todas as patologias e neuroses que a geração da década de 60 queria esquecer. O golpe definitivo da realidade se dá em 1967 quando inscreve a saudosista “ No Tempo da vovó” no II Festival Internacional da Canção, o Fic e não é sequer classificado. O clima estava mais para compositores mas novos e de acordo com a nova realidade do para um cinquentão lembrando do tempos da avó.
A saída do compositor do ostracismo de deveu ao poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos mais Décio Pignatari que escrevem um artigo surpreendente sobre o compositor, Tendo conhecido o compositor em Porto Alegre ficaram surpresos com a inexistente fronteira entre o sublime e o grotesco na obra do compositor.
Apesar de apenas alguns intelectuais da época terem dado atenção ao artigo, este se mostra profético e ajudaria o compositor num futuro próximo.
Foi quando João Gilberto depois de anos no exterior grava “ Quem Há de Dizer “ uma canção de Lupicínio em 1971. Depois Caetano Veloso influenciado por João Gilberto volta do exílio londrino cantando “ Volta “ outra canção de Lupicínio. Caetano Veloso então passa a divulgar a obra do compositor. Gravando “ Felicidade” ,outra canção de Lupicínio.
Por fim a grande cantora Elis Regina, também gaúcha criada em uma Porto Alegre bem diferente da que Lupicínio vivera grava duas de suas canções “Cadeira Vazia e Maria Rosa.
Mas a vida do compositor já estava chegando ao fim. As gravações de Elis e Caetano são uma das duas últimas notícias que recebe.
O compositor morreu de insuficiência cardíaca decorrente de diabetes no dia 27 de agosto de 1974. depois de uma semana internado na Unidade de Tratamento Coronário do Hospital Ernesto Dornelles. Já estava mal quando o filho lhe traz a notícia : Pai, “ Felicidade” ( na versão de Caetano) tá estourando na parada de sucessos ! “ Ele ainda tem forças para retrucar: Finalmente estão reconhecendo de novo o velhinho...”
Foi velado no estádio Olímpico do seu amado Grêmio com a bandeira do time cobrindo o caixão.